quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Como me joguei no deutsch

Não acredito em vidas passadas. Tampouco em espíritos, na ligação entre nós e eles. Mas sempre me pergunto cá com meus poucos botões: "Por que diabos resolvi estudar línguas, ainda mais alemão?" Seria afinidade cultural? Conexão espiritual? Vidas passadas? Já me disseram que podem ser as duas últimas. Sei lá. Se for, também, tudo bem.
Tudo começou quando eu tinha uns 8, 9 anos, já era interessada por livros e qualquer coisa relacionada a línguas estrangeiras. Aos oito anos, lembro bem que era época da Olimpíada de Barcelona e assistia, maravilhada, ao desenho do mascote Cobi, na Cultura, e tentava pronunciar os nomes dos lugares por onde ele e sua turma passavam. No mesmo período, não lembro em que circunstâncias, ganhei, da minha mãe, umas edições da revista Speak Up, da Editora Globo. Acho que elas nem existem mais. Eram quatro os idiomas: inglês, italiano, francês e alemão. Como folhava qualquer papel que aparecia em minha frente, me divertia com as ilustrações das revistinhas. Mas, claro, a que me chamou mais a atenção foi a de alemão. Aquela capa preta, com letras brancas e com a bandeira da Alemanha no lado direito. Óbvio que não entendia nada do que continha ali, mas me recordo, até hoje, dos nomes das personagens dos diálogos: Sybille, Klaus e Hans. Posso estar enganada com algum deles, mas da Sybille tenho certeza absoluta! Havia também um cachorrinho nas histórias. Só ficava chateada por não poder entender o que eles diziam. Eu perguntava à minha mãe se existia escolas daquelas línguas e ela me dizia: "Tem, sim. Mas são muito caras. Ainda mais dessas línguas doidas".
Não sei se foi na mesma época, mas me lembro do programa "Hallo aus Berlin", também da TV Cultura. Eu pirava. Tentava repetir o que aquele povo falava. Não era só do "Hallo", como também do programa de espanhol que passava em seguida. Louca. Viajava com as personagens do programa para cantos daquele país e pensava que, talvez, nunca fosse para lá. 
Com uns dez anos de idade, comecei a me interessar por histórias de guerra. Mais precisamente pela Segunda Guerra. E lia, nos livros da escola, os nomes de muitas daquelas cidades mostradas no "Hallo aus Berlin" e vistas na Speak Up. Eu pirava. Para piorar, o filme ganhador do Oscar naquele ano foi "A Lista de Schindler", do Spielberg (um dos meus favoritos até hoje). Lembro que o SBT passou o filme, porém era num horário medonho, daí fiz reserva da fita VHS na locadora e assisti, embasbacada, toda aquela história. Tinha até uma personagem com meu nome! A partir do filme, botei na cabeça que iria contar uma história de uma menina judia de um gueto e de um soldado nazista que se apaixonaram, mas que não podiam ficar juntos, por motivos óbvios. E escrevi. A garota engravidou do soldado e perdeu o contato com ele quando a guerra chegou ao ápice. Os anos passaram, contudo, claro, eles ficam juntos no final. Até hoje fico boba de ter escrito essa historinha aos dez anos. Eu pesquisava a respeito de lugares que podiam fazer parte do enredo, nomes de pessoas nas grafias corretas, como também sobre o tema. Perguntava à professora. Ela ficou chocada (no bom sentido) com meu interesse no assunto.O tempo passou, esqueci um pouco da coisa alemã, mas sempre tinha interesse pela nossa língua e nas demais.  
Nos tempos de cursinho, as aulas de história e literatura me fizeram voltar àquela ideia de aprender a tal da "língua de doido" e pesquisar sobre a história daquele "povo maluco". Aulas sobre a unificação alemã, Primeira e Segunda Guerras, a Queda do Muro e a Reunificação, bem como as aulas sobre  Romantismo e a influência fortíssima do Sturm und Drang em nossos escritores fizeram com que eu me interessasse mais fortemente pela língua e cultura. Lia Goethe e Hermann Hesse ao mesmo tempo em que tínhamos que ler aquelas listas de livros obrigatórios para os vestibulares. Lia, também, Schopenhauer e Wittgenstein. Retardada. E, detalhe: naquela época, eu queria prestar vestibular para área de Biológicas (Farmácia, Biomedicina, Biologia, Agronomia)! Cheguei a cursar um semestre de Agronomia na Unesp de Botucatu. Claro que detestei tudo: terminado o primeiro semestre, voltei a São Paulo e prestei para Letras no final do mesmo ano.
Ter escolhido o deutsch como habilitação na faculdade foi só uma consequência de toda essa "trajetória". O curso não foi levado como eu gostaria; claro, é uma língua dificílima e, para agravar a coisa, sempre trabalhei durante a graduação e não dava para me dedicar exclusivamente ao curso. Porém, quando olho para trás, vejo o quão bom foi ter escolhido essa "língua de cachorro" para estudar. Ela me deu a oportunidade de trabalhar, estudar e morar por um ano na Alemanha. Lá, conheci pessoas fantásticas de várias partes do mundo, as quais sempre terei em minha memória, além da família maravilhosa com a qual morei nesse tempo. Nas minhas recentes férias, aonde fui? Óbvio! Percebi que sou "masoquista" ao continuar estudando alemão e tenho uma relação um tanto conturbada com ele. Mas estamos sempre juntos. E acho que essa relação ainda perdurará, pois minha pesquisa de mestrado é voltada para a imprensa alemã.  Ah, estava me esquecendo: quando fiz terapia, o terapeuta era filho de alemães de uma colônia de Santa Catarina. Falava melhor o alemão do que o português!
Afinal, seria esta uma conexão espiritual, vidas passadas, masoquismo ou pura "pagação"? Seja lá o que for, das gefällt mir.



*gefällt mir é uma expressão em alemão que significa algo como "eu gosto", "me apraz" (nossa, essa foi arcaica, hein!)

Um comentário:

  1. Acho sensacional qnd as pessoas são encanadas com algo e vão atrás para conhecer, se apaixonam e por maaaais que seja dificil não desistem!! Adorei o texto! =) jacque

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