quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Saudade sem tristeza

Ontem fez cinco anos que meu avô partiu [como é sabido por muitos, eu praticamente fui criada pelos meus avós maternos e morei com eles dos meus 10 até os 25 anos.]. Não encaro essa data com pesar, longe disso. Ele era uma figura, logo, não consigo pensar nele com tristeza. Eu sempre penso nos episódios ora engraçados, ora insólitos, ora emocionantes. E lá vai alguns deles.

O nome do meu avô era Pedro, e ele possuía uma barriga avantajada. Não sei quando e como, o seu apelido era Pedro Caroço, por causa daquela música do Genival Lacerda que diz "ele tá de olho é na butique dela", que tem um trecho que fala de um tal de "Pedro Caroço". Pegou. Meu avô era muito conhecido lá na vila em que morava e, por onde ele passava, o chamavam de "Pedro Caroço" ou simplesmente "Caroço". Havia dias em que, se alguém o chamava "Aô, Caroço!", ele respondia com sua delicadeza: "Caroço é teu #$%&". Ninguém levava a mal, pelo contrário. Eu só ouvia gargalhadas.

Outro episódio foi com uma querida amiga minha. Um dia, ela passou lá em casa [ainda morava com meus avós] com outros amigos nossos para me pegar e havia uma parte do carro dela que estava solta há meses. Ela sempre falava que levaria o carro para o conserto, e nada. Meu avô olhou o carro como quem não quer nada e saiu. Em seguida, ele volta com sua maleta de ferramentas e prendeu o que estava solto. Ele disse que era só para "quebrar um galho". Meus amigos ficaram admirados com tamanha habilidade [e ele nem era mecânico, funileiro ou algo assim]. Anos depois, reencontro minha amiga com o mesmo carro e a peça nunca mais se soltou. E, se não me engano, o carro foi vendido tempos depois.

Me lembro também que meu avô era um guia de ruas ambulante. Afinal, ele foi motorista de caminhão e andava por tudo quanto era lado de São Paulo. Para qualquer lugar que eu precisava ir, ele me indicava a direção de cor. Não havia erro, salvo raras exceções. Além disso, ele era um daqueles "curiosos" que mexiam em tudo: elétrica, hidráulica, marcenaria, costura, conserto de panelas... e tudo sempre dava muito certo. Eu o achava muito genial, apesar de ter sido analfabeto.

Essa foi uma das últimas vezes em que estivemos juntos. No dia em que fui para a Alemanha, dei um abraço e ele disse "Essa daí eu não vejo mais". Mas ninguém levou a sério, inclusive eu. Meses depois, eu voltei ao Brasil para umas férias e o reencontrei pela última vez. Na época, eu e meu marido estávamos no começo de namoro e fui apresentá-lo à família. Quando chegamos em casa, o Seu Pedro, no alto de seus 82 anos [já que ele não parava um minuto], estava pintando uma das paredes; eu apresentei ele ao meu marido:
– Vô, este é o Juliano.  – O Juliano disse:
– Boa tarde, tudo bom com o senhor? – meu avô, com seu jeito típico:
– Opa. Tô vivo.

Esse foi o primeiro e único encontro dos dois. Poucos dias depois, antes de retornar à Alemanha, ele disse, novamente, antes de eu ir para o aeroporto: "Essa daí não vejo nunca mais". E a promessa se cumpriu.