Ontem, 23/02, foi o início de mais um ano letivo nas maiores
universidades do País. E todo início de ano letivo me traz lembranças
desagradáveis e traumáticas. Eu já comentei a respeito do assunto “trote” n’O Fustigo
no ano passado, no link
http://ofustigo.blogspot.com.br/2013/02/rito-de-passagem.html
. E vou comentar de novo, porque, enquanto houver esse tipo de violação da
integridade humana, não me cansarei de abordar o assunto.
Todo começo de ano letivo me angustia. Hoje pela manhã,
antes de sair para o trabalho, assisti a uma excelente reportagem de uma série
que vem sendo exibida nesta semana, do Jornal da Band. O link do resumo da
série é este aqui:
http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/100000737848/serie-do-jornal-da-band-mostra-estupidez-dos-trotes.html
No final de 2003, prestei o vestibular da Fuvest para o curso de Engenharia
Agronômica da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (que hoje pertence
à USP), a famosa ESALQ, de Piracicaba. Fui relativamente bem nas duas fases da
prova e, por pouco, não entrei nas primeiras chamadas do curso. Ainda bem que
não ingressei. O motivo está no próximo parágrafo. Paralelamente, prestei
Agronomia para a Unesp de Botucatu, e lá eu passei na primeira lista de espera.
O que era alegria se transformou em desespero. Mas voltemos à ESALQ.
A série de reportagens da Band, em seu primeiro episódio,
tratou justamente do trote da ESALQ. Da selvageria que acontece nas repúblicas
da cidade, e a conivência da faculdade e da cidade de Piracicaba. Sim, CONIVÊNCIA
das prefeituras locais e da população, pois o trote acontece nas ruas,
avenidas, parques, baladas, terrenos baldios, entre outros lugares. O repórter
foi à ESALQ e, é óbvio, ninguém quis comentar o assunto. Fora dela, o
jornalista foi a uma república de rapazes da cidade famosa justamente por seus
trotes violentos: Senzala. O nome já diz tudo. Na maior cara de pau, um dos
moradores, “veterano” disse que o trote é consentido e toda essa fama é
exagerada. Deu ódio da cara de deboche do moleque. Sim, moleque, porque um
homem de verdade não precisa humilhar ninguém para ser respeitado. Ah, a
prática mais conhecida dessa república é um “sequestro” (sim, há uma “brincadeira”
chamada sequestro) que consiste em pegar um grupo de alunos e leva-los a um
canavial na calada da noite. Todos nus, ou com roupas íntimas, eles são
abandonados no meio do canavial com um galão de pinga – e só. E ai de quem não
beber! Daí, eles são obrigados a atravessar o canavial até à estrada que dá
acesso à cidade e voltar às suas repúblicas sabe-se lá como. Em uma imagem, as
meninas são obrigadas a deitar no chão, de roupas curtíssimas, e passam farinha
em seus corpos, como se fossem “empanadas”, e os caras passando a mão como se
não houvesse amanhã. Me causou repulsa. Corta. Na parte seguinte da matéria,
houve um depoimento de um ex-aluno de Agronomia (por que sempre esse curso? Por
quê?) e de sua mãe. O trauma do menino foi tanto que ele abandonou o curso no
terceiro semestre (eu ainda acho que ele suportou bastante), está em tratamento
psiquiátrico e psicológico até hoje e o relato de sua mãe me deu um nó na garganta.
Eu me lembrei da minha mãe, dos momentos de horror que eu vivi e do desespero
dela e de minha família.
Como eu disse anteriormente, entrei no curso de Agronomia da
Unesp de Botucatu em 2004. Achava que estava realizando um sonho: entrar em uma
universidade conceituada, ir embora de São Paulo e ganhar independência
emocional, porque a financeira era impossível. O trauma já começou no dia de
matrícula. Ao chegar no campus com meu pai e meu tio, visualizamos meninos com
cabeças raspadas aleatoriamente, com placas ofensivas penduradas e pinturas
idem. As meninas estavam pintadas com “nomes” esdrúxulos. Já comecei a achar
estranho, até porque sempre fui bastante “antissocial” nesse quesito. Sempre
achei uma selvageria e uma babaquice esse tal de trote. Logo, fui armada para a
matrícula. Passei incólume durante toda a matrícula, mas me “pegaram” na saída –
mesmo com meu pai e meu tio comigo. Umas meninas vieram me dar os “parabéns”, queriam
me “batizar” e perguntar se eu já tinha moradia. Eu já comecei a achar tudo
aquilo muito ridículo, mas meu pai fez um gesto de “deixa, tudo bem”. Começaram
a me perguntar um monte de coisa a meu respeito para ver se encontravam algum
nome bem horrível ou ofensivo para me batizar. Como não encontravam nada de “interessante”,
olharam bem para o meu rosto e para a minha boca. Resolveram me batizar de “garrucha”.
Por causa da arma de mesmo nome, um bacamarte que possui a boca larga e é
carregado por ali, além, claro, do jogador Ronaldinho Gaúcho, cuja principal
característica todo mundo conhece. Depois dessa recepção “calorosa”, nos
convidaram para conhecer uma república de meninas perto do campus, a Minas
Gerais.
Ao chegarmos na república, só havia uma das moradoras, que
se mostrou simpaticíssima. Claro, na frente dos pais, todos são uns santos,
exemplos de conduta. Achei a casa velha, horrorosa, detonada, podre, tosca. Deu
para perceber que meu pai e meu tio não foram muito com a “cara” da casa,
principalmente meu tio. Como não conhecíamos absolutamente nada de Botucatu,
optamos por ficar nessa república mesmo. Daí começou a semana mais infernal da
minha vida até hoje.
Voltamos a São Paulo no mesmo dia, e eu estava mais
apreensiva do que feliz depois desse “simpático” dia de matrícula. Os dias
foram de um misto de tensão e contentamento e, no dia anterior à primeira
semana de aulas, meu tio e minha mãe me levaram para o que seria minha estada
de cinco anos em Botucatu. Só havia somente uma das moradoras (não era a “simpaticíssima”,
e sim uma “demônia”). De cara, ela me olhou de baixo para cima com desdém e não
lá muito educada com minha mãe e meu tio. Ela nos disse para levar minhas
coisas num “segundo quarto à esquerda lá em cima” com a mesma simpatia que nos
recebeu. Me lembro como hoje que a dita-cuja ouvia Chico Buarque na sala.
Passei a detestar mais ainda depois disso, é claro. Me despedi de minha mãe e
meu tio e, assim que o carro, dobrou a esquina, o CD termina e ela diz: “Tira o
CD pra mim”. Como eu não havia percebido a sua “ordem”, fui tirar o CD do
aparelho na boa. Em seguida, chegaram as outras moradoras com uma nova caloura
como eu. Fizeram a linha simpatia e, em seguida, pegaram um cesto, cheio de
trapos, e disseram: “Agora escolham a fantasia de vocês. Vamos para a república
X e, depois, vamos para o pedágio.” Era tudo o que eu não queria, mas quis “me
enturmar”. Eu e a outra menina tivemos de escolher a “fantasia”, entramos numa
picape de uma das moradoras e fomos para a tal festa. Todo mundo chega
perguntando qual o teu “nome”, dizendo que “bixo” não sabe nada, não quer nada
e é inútil. E dá-lhe mais pinturas e adereços ridículos. Você perde sua identidade,
mas vira uma atração. Você não quem querer, porque, teoricamente, precisa
deles. Você é obrigado a se transformar naquilo que a república de Piracicaba
remete: um escravo. Um grande detalhe que me chamou a atenção é que grande
parte das repúblicas dos cursos da FCA fica em um bairro estritamente
residencial, o Jardim Paraíso (que nome mais ingrato). As festas rolam durante
a semana, em alto e bom som, invade parte das ruas, e não vi, durante os meses em
que estive lá, sequer uma reclamação, uma ronda policial para acabar com as
farras. Pelo contrário. Durante o tal do “pedágio”, em uma grande avenida da
cidade, os moradores que passavam com seus carros riam das “brincadeiras” e dos
“bixos”; uns davam dinheiro, outros davam dinheiro e faziam a linha “bem-vindo
a Botucatu”, e outros só riam mesmo. Me lembro de ter conseguido umas moedas,
porque “não me empenhei”. Fiquei revoltada em ter de bancar bêbada vagabunda. A
partir daí, a coisa só piorou. No dia seguinte, comparecei à aula inaugural da
Agronomia e achei tudo muito demagógico: o discurso de “pacificação” do diretor
e do centro acadêmico, dizendo que não compactuavam com a prática do trote no
campus e tudo mais. Sim, era verdade; mas, e fora do campus? Chamar a polícia
que não vinha? Sofrer represálias? É esse “cala a boca” que funciona nas
cidades do interior. Todo mundo se conhece, você é batizado justamente para
todos saberem quem é você, caso você faça alguma coisa fora dos padrões
impostos pelos veteranos. Entretanto, ir à faculdade era melhor do que na
república. Voltar para lá era um tormento, pois já sabia o que me esperava:
mais humilhações e violações aos direitos básicos. Naquela república, elas
convidavam seus amigos para nos conhecerem e ficarem enchendo nossa paciência.
No meio da semana, nos levaram a uma outra república para que ficássemos
servindo os “gloriosos” veteranos. Detalhe que, nos dois dias anteriores, mal
havíamos dormido. Ali, confirmaram nosso “batismo”: ‘Garrucha’ e ‘Gibi’ (porque
a garota que morava comigo tem tatuagens). Sim, porque um veterano tem mais poder
que o outro, por exemplo: se alguém do terceiro ano o batiza, e o cara do
quinto ano achar teu nome legal, ele o confirma; se não, ele escolhe outro nome
tão pior quanto o primeiro. Além do batismo e de servir bebidas para vagabundos,
eu e a outra menina tínhamos de dançar para entretê-los. Olha, que divertido! E
detalhe: no dia seguinte, fomos lá, nós duas, limpar a sujeira da festa depois
da aula. Mas a gota-d’água foi quando meu celular tocou e era a minha mãe. Naquela
hora, consegui atender, e não aguentei. Ela percebeu o tom de minha voz e
começou a ficar desesperada, perguntando o que estava acontecendo, que ela não
conseguia falar comigo na república, que uma amiga também tentava falar comigo
mas não conseguia. Além de toda essa história de ser empregada, dançarina e garçonete,
eu não podia falar com ninguém pelo telefone. No meio da ligação, veio uma das
veteranas que estava na festa e pegou o meu celular da minha mão e o escondeu
em seu quarto. A noite avançou, e só consegui pegar meu celular de volta,
escondido, quando a mesma estava tão bêbada que mal sabia o seu nome. A outra
caloura estava tão desesperada quanto eu, e ali combinamos de arranjar uma casa
para alugar no dia seguinte e sair correndo daquela república.
Num desses bons acasos, vimos um anúncio na FCA de uma
edícula de dois quartos no bairro por um preço ótimo. Entrei em contato com o
proprietário, expliquei minha situação, ele nos levou para conhecer a casa e já
fechou o negócio ali mesmo. A partir daí, ele foi o uma espécie de guardião,
pois ele se ofereceu ajuda caso acontecesse qualquer represália comigo e,
inclusive, para nos ajudar na mudança. Quando avisamos que mudaríamos da
república, foi o “cúmulo” para as moradoras: que éramos mal-agradecidas, porque
elas eram “gente boa”, que nos “ajudaram”, porque havia repúblicas piores, e
que não sairíamos assim, de qualquer jeito. Foi aí que começaram as nos
humilhar ainda mais (mas o alvo preferencial era eu, que tentava me fazer
valer) e, para piorar, tive a pior cólica menstrual de todos os tempos. Elas
estavam com tanta raiva de mim que começaram a me ignorar e falar absurdos de
mim para seus amigos. Uma menina, que até era legal, tentou me convencer de
todas as formas a reconsiderar minha decisão e se mudar para a república dela,
que era mais sossegada, segundo ela. Eu não queria mais saber de república
nenhuma. Outra menina, a que me apresentou a república no dia da matrícula,
cuidava de mim, fazendo chás e compressas para a minha cólica. Não tive nada
contra elas, pelo contrário, mas tudo contra as amigas delas. Me mudaram para
um quartinho de tranqueiras, dizendo que haveria visita de um namorado delas
naquela noite. Claro que não houve visita alguma. Elas chegaram de uma festa,
bêbadas, e queriam me acordar jogando um copo com água gelada. Como eu fingia
que dormia, abri meus olhos e elas se assustaram e desistiram de “brincar”.
Fui para a aula mesmo assim, morrendo de cólica. As pessoas
da minha turma sabiam do que eu estava passando e eu pedi a uma amiga, que
tinha carro, para me ajudar na mudança após a aula da manhã de sexta. Graças a
ela, me mudei para a edícula na hora do almoço. Entrei muda e saí calada da
república. A sala da casa estava cheia de veteranos “brisando”, sem entender
nada. Peguei minhas malas e simplesmente saí. Minha amiga Pâmela, a quem eu
agradeço sempre, olhava com ódio para eles e respondia rispidamente a suas
perguntas. Eles só diziam “nossa, que bixete folgada. Tem que aprender muita
coisa ainda”. Daí ela me levou à casa nova: não havia nada, estava sozinha,
pois a outra menina estava cumprindo suas “obrigações” como “bixete”. Não me
importei nem um pouco em ter dormido no chão, em cima de um cobertor. No dia
seguinte, acordei aliviada por ter saído daquele inferno e ter me mudado para
um lugar bacana. No sábado, nossos pais foram até Botucatu para levar algumas
coisas e nos ajudar na logística da casa. Passada a semana infernal e
traumática, a parte da moradia foi resolvida. Mas a da faculdade, não.
O período na faculdade não foi tão infernal porque havia uma
certa vigilância por parte da direção. Certa vez, quando chegava ao campus da
FCA, encontrei um colega todo maltrapilho, pintado, sujo, com a cabeça cheia de
“caminhos de rato”. Seu “nome”? [Melhor não divulgar, porque é muito fácil
identificar a pessoa, para a minha segurança e a dela. Só digo que os nomes são
relacionados a escatologias e a orientações sexuais. O meu, em vista desses não
mencionados, é menos horrível. Afinal, quem se importa em mexer com traumas
antigos e incutir novos, não é verdade?] Encontramos o diretor no meio do
caminho. Ele, furioso com o que viu, pediu nomes ao menino e a república em que
ele morava. Claro que ele não queria dar, porém o diretor pressionou. Eu estava
agoniada por ele. Os tais veteranos seriam punidos na faculdade, mas e na
república? O que fariam com esse garoto? Me lembro de que ele só falou o nome
da república. E identificar os moradores de uma república é a coisa mais fácil
do mundo numa cidade como Botucatu. Não sei o que aconteceu depois disso. Só
sei que me sentia numa espécie de regime ditatorial.
Enquanto estava tudo bem em casa (na medida do possível),
cada saída de aula era um terror. Veteranos “espertos e descolados” esperavam
pelos calouros na porta da sala. Os professores não esboçavam reação, pelo
contrário, até brincavam com a situação. Ali, era um salve-se quem puder. Os
famosos “sequestros” eram iniciados ali. O que acontecia depois que os “sequestrados”
entravam no carro, não sei ao certo. Do que me contaram, ou era para fazer
pedágio no meio da tarde, ou para fazer a faxina da festa da noite anterior,
limpando vômitos e outras coisinhas, fazer “lavagem cerebral” [que consistia em
o calouro botar a cabeça dentro de um vaso sanitário e um veterano imbecil dar
uma descarga], comer lavagem etc. Pedir carona para voltar para casa também era
um tormento, pois corria-se um sério risco de acontecer a mesma coisa. O que
minha turma fazia era se organizar em caronas entre os poucos colegas que
tinham carro. Cheguei a andar no Uno da amiga que me resgatou da república com
mais sete. Com os meninos era ainda pior, a marcação era cerrada. Já vi dez
caras em um Civic de um colega de classe. Tudo isso para poder chegar “em casa”
e sofrer mais abusos [claro que falo de quem morava em república].
No fim de uma aula, conseguiram pegar a turma toda,
inclusive eu. Para fazer o quê? Elefantinho, oras! A brincadeira fofa consistia
em fazer uma fila, curvar-se, passar a mão entre as pernas para que o colega de
trás a pegasse e caminhar feito uns elefantes. Que gracinha. E cantando
baboseiras como “hino da Agronomia”, “pau no cu da Med” etc. O alvo das pérolas
do cancioneiro universitário era sempre a Medicina. Acho que rolava uma inveja
e frustração de quem inventou e repassou isso. Ah, e tínhamos de andar
exatamente por onde os caras queriam, que acompanhavam milimetricamente de suas
picapes de agroboy. Ai, se nos largássemos antes da bendita lombada da entrada
do campus! Faríamos tuuuudo de novo. E fizemos. Acho que havia sádicos na
turma. Certeza. Pois eu tinha colegas que achavam tudo aquilo o máximo. Tortura
psicológica? Imagine!
Os meses se passaram e eu odiava o curso cada vez mais. Não
me identificava com aquela cidade, com aquela faculdade, apesar de sua excelência.
Tinha dificuldade em TODAS as matérias. Não estudava, tirava notas horríveis,
claro. Ir para a aula era um sacrilégio. Em casa, a primeira garota saiu e uma
amiga muito querida foi morar comigo. Tinha vizinhos ótimos, que tentavam me
ajudar de alguma forma, mas não adiantou. Eu não quis esperar chegar o segundo
ano do curso para as coisas “melhorarem”. Abandonei o curso no fim do primeiro
semestre. Não tranquei, abandonei mesmo, sem o menor arrependimento. Vi muita
barbaridade, muita negligência e conivência; vi gente que parou no hospital em
coma alcoólico (de praxe) e com traumatismo craniano; vi meninos nus, bêbados e
perdidos na cidade; ouvi um relato desesperado de um pai na rádio da cidade
sobre o que fizeram com o seu filho; vi matéria da afiliada da rede Globo sobre
os trotes na cidade (milagre!), e nada, absolutamente nada aconteceu. E nada
vai acontecer sabe por quê? Porque essas mesmas pessoas abusadas, humilhadas,
torturadas serão os futuros veteranos e há, nisso, uma espécie de status, uma
incumbência em ser o “sinhozinho”, um fetiche pelo pseudopoder, pelo ato de
humilhar, pelo sadismo. Gostaria de ver pesquisas a respeito do tema, mas, por
incrível que pareça, a academia não estuda essa anomalia de nossa sociedade. Nunca
vi um estudo sobre isso. Porque “faz parte do processo de integração”, de
formação da vida profissional, não é mesmo?
Claro, que faz parte. É tão importante que não consigo me esquecer disso, mesmo
depois de 11 anos, com 30 anos de idade, vivência no exterior, um mestrado e
fazendo terapia. Marcou. E ainda dói. Muito. E dói ainda mais ver meninos e
meninas se submetendo a esse tipo de “integração”, achando como se fosse a
coisa mais normal do mundo. Ver a reportagem da Band me deu um nó na garganta,
a mesma que sinto agora ao escrever este texto. Mas sinto-me aliviada em ver
que há uma tentativa de combater essas práticas bárbaras, como na Faculdade de
Medicina da USP e da CPI. Mesmo que não dê certo (torço para que seja o
contrário), tentaram. E o único veículo da mídia que está abordando esse tema,
de forma corajosa, é a Band. Espero que dê algum resultado, principalmente se
as vítimas pararem de se calar. Não consigo entender como não há veiculação desse
tipo de acontecimento. Tem de esperar alguém morrer (como o menino afogado na
piscina em 1998) para que vire notícia.
Eu já escrevi a respeito do trote dois anos atrás e alguns ex-colegas
da Agronomia, muitos deles que sofreram tais abusos, me escreveram dizendo que “não
é bem assim”, que eu estava “exagerando”, que o trote é um “ritual de passagem,
de iniciação”, para a inserção do novo aluno na faculdade e na cidade. Que
triste. São esses tipos de “profissionais” que nos deparamos por aí. Se já tratam
o calouro assim, que dirá o futuro subordinado, por exemplo? Naquela época, me
calei. Só queria sair daquele curso e daquela cidade. Foi a melhor decisão que
tomei na vida. Ainda bem que a internet está aí para divulgação. Enquanto
houver esse tipo de atrocidade a cada início de ano letivo, a cada vez me
lembrarei do que passei e farei o possível para divulgar o que está escondido debaixo
do tapete.