segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O meio faz o homem

Semana passada assisti ao ótimo "Gonzaga, de pai para filho", com a direção do Breno Silveira. Já é o segundo filme desse cara que me faz sair da sala de cinema com um nó na garganta... o primeiro foi "Além do caminho", que conta a história de um motorista de caminhão que roda o Brasil "fugindo" de seus problemas e compromissos e a trajetória dele é contada por músicas do Roberto Carlos. Freud explica.

Mas voltando ao Gonzagão, embora toda a trajetória do cara seja emocionante, cheia de percalços, vitórias e derrotas, o que mais me chamou a atenção da história foram duas coisas: o conflito no relacionamento entre o pai e filho (óbvio) e, menos perceptível, o lance determinista de que "o meio faz o homem".

No filme são mostradas aquelas paisagens sofridas do sertão nordestino, especificamente no interior de Pernambuco. Coincidentemente, minha bisavó nasceu na mesma cidade do Luiz Gonzaga e é meio que contemporânea dele, só com uns 7 anos a mais que ele. Meu avô nasceu na região do Crato, no Ceará, uma cidade importante para aquela região entre os dois Estados. Meu pai também nasceu no sertão pernambucano, só que numa cidade distante da de minha bisavó e Gonzagão, num lugar igualmente brutalmente seco. Por que estou dizendo tudo isso? É aí que quero chegar na hipótese errônea do determinismo de que "o meio faz o homem".

Todas as pessoas que mencionei vieram de ambientes secos, praticamente inóspitos. No filme, embora vivessem num meio de difícil sobrevivência, havia muito carinho entre os pais para com o protagonista e vice-versa– claro que há aquela braveza tradicional deles, afinal, os coronéis ainda dominavam boa parte do Nordeste brasileiro. Já o protagonista, ao sair de sua terra e conquistar fama, sucesso e dinheiro no Sudeste, sequer conhecia seu filho, pois era ausente afetivamente, porém, dinheiro nunca faltou ao garoto.
As pessoas mais velhas de minha convivência já se foram, mas tenho a lembrança muito presente delas de serem pessoas amáveis, cordiais e compreensivas, apesar das muitas dificuldades pelas quais passaram em suas vidas, como o analfabetismo, a fome crônica e o abandono da terra para ganhar o mínimo em São Paulo.
O filme me fez lembrar demais da relação que tenho (ou não) com meu genitor. O meu sonho é, um dia, fazer uma gravação igual àquela que o filho faz com o pai em idade avançada: quem viu o filme sabe da cena que estou mencionando. Uma gravação sem terceiros, num confronto direto entre duas pessoas que mal se conhecem mas que têm sérios conflitos a serem resolvidos. Conflitos que existem desde a infância, os quais deixaram marcas profundas em minha personalidade e no modo como encaro a vida. Se esta hora chegar ou não, não sei; mas sei que farei o possível para que ela chegue. Como o Gonzagão do filme, eu sempre ouvi que o nordestino é bruto e ignorante devido ao lugar de onde ele veio. Eu não concordo. Veja o que escrevi acima a respeito dos pais do protagonista e de minha bisavó e meu avô. Para que a criação de um filho seja exitosa, é preciso somente que ele tenha educação formal ("virar doutor" ou, hoje em dia, "ter faculdade") e não passe fome como ele passou. O resto é besteira. Afinal, para que ter e receber afeto, não é verdade? Para que conhecer aquele que é fruto de um relacionamento, não é mesmo?

O meio não faz o homem. É o homem que faz o meio. São as atitudes do homem que fazem com que o meio seja bom ou ruim. O meio é só um local. Ter sofrido no meio seco não torna ninguém seco. A secura humana é simplesmente uma questão de caráter e personalidade. O problema é que essa secura prejudica tanto o meio que faz com que as relações se tornem como aqueles solos da caatinga: duras, rachadas e, ao mesmo tempo, fragilizadas.

Fluxo de consciência

Por que existe a necessidade de se apegar a algo transcendental? Por que as pessoas camufladamente cobram que você acredite em algo?
Será que a veemência em não acreditar em nada não seria, talvez, uma forma de crença?

Quem não acredita, sente mais a dor.

Gostaria muito de acreditar/apegar a algo. Já fiz tentativas, todas sem sucesso. Até terapeutas me disseram para procurar algo transcendental que eu curta. Confesso que fiquei com preguiça para tal.
De nada adiantou o modo de criação ao qual fui impelida: acho tudo muito alienante.

Quando a dor aperta, tenho intenção em buscar alguma coisa, mas logo me esqueço.

Mesmo na "materialidade", quero fazer algo que curto – um curso de culinária, sei lá – mas, ao mesmo tempo, me pergunto "pra quê?". Tenho obrigações a cumprir, como minha pesquisa de mestrado, porém também me faço a mesma pergunta: "pra quê?". Às vezes, fico dias e dias sem tocar em meus objetos de pesquisa nem abrir meu arquivo no computador com a redação do meu trabalho.

Sempre me pergunto: de que adianta ter ótima formação, falar três línguas, ser comprometida e competente no que faço se há um sensação de estagnação, do tipo de estar perdida num labirinto sem saída? E daí volto a pensar no lance da transcendência e fazer todas as indagações acima mencionadas.

*Como deu para perceber, o texto está totalmente fragmentado. Acho que escrever no esquema "fluxo de consciência" rende melhor ultimamente. Vide a longa ausência que tive daqui. Mas a ideia sempre foi a do desabafo, da indagação e da fustigada. Portanto, dane-se.