terça-feira, 12 de maio de 2015

Memória musical-afetiva

O ano era 1991 ou 1992, não me recordo ao certo. Mas uma das lembranças mais fortes é a de festas que aconteciam nas sextas-feiras à noite na casa da família de um antigo namorado de uma prima minha que morava conosco na época. Como meu pai não permitia que ela fosse à casa do rapaz sozinha (oi?), minha prima sempre acabava me levando.

Era uma casa que ficava do outro lado da rua em que eu morava, e ela ficava num terreno em que havia várias árvores, parecendo uma minifloresta. Eu achava muito insólito aquele lugar. A casa era muito simples, num tom verde-água, num canto atrás dessas árvores. Me lembro como hoje do quanto essa casa era cheia de familiares do namorado da prima e de alguns vizinhos. Me lembro da mãe dele, sempre de lenço na cabeça, servindo petiscos para a molecada e galinhada para os adultos, e sempre dançando e cantando. Me lembro de alguém tocando violão, assim como da alegria e do amor-próprio dessas pessoas. Foi lá, pela primeira vez, que eu ouvi frases como “Aqui é black” e “Sou negro, sim, com muito orgulho”. Eu achava o máximo.

A memória mais pujante que tenho dessas reuniões é a musical: eu não tinha a mínima noção, claro, mas lá eu fui apresentada a artistas como Stevie Wonder, Ray Charles, Michael Jackson e outras maravilhas da música negra norte-americana. Talvez por isso eu goste desses caras. Talvez, não; tenho certeza. Nessas festas também rolava Jorge Ben (quando ainda era só “Ben”, mas não achava tão legal quanto os outros) e Trio Esperança. Como não esquecer da música da “festa do Bolinha”? Do vinil da capa verde-bandeira com a foto P&B do trio? Das inúmeras vezes em que ouvi o disco, já que o namorado da prima sempre emprestava seus álbuns? [Dentre eles o clássico beneficente USA for Africa (“We are the woooorld... We are the childreeen...”), e ela chamava a molecada da rua para ir lá na minha antiga casa para cada um “cantar” uma parte da música de letra quilométrica. Eu não tinha noção de quem era quem, eu só sabia dos tipos das vozes que eu curtia, que eram a do Bob Dylan e do Bruce Springsteen (acho que era uma previsão do que eu me tornaria fã anos mais tarde)]. Hoje em dia, eu só tenho a agradecer esse cara que foi namorado da minha prima. Infelizmente, não sei por onde ele anda, uma pena. Essa recordação de discos, artistas e festas veio à tona há uns dois meses, quando eu e meu marido fomos ao show da Angélique Kidjo, no Sesc Vila Mariana. Enquanto aguardávamos a apresentação, narrava-se a programação para os próximos dias. Um dos shows seria o do Trio Esperança, do qual havia ouvido falar pela última vez nesses anos longínquos da infância. Eu esbocei uma reação do tipo “Nossa! Trio Esperança ainda existe!”. Meu marido fez aquela cara de “Oi? Quem?”. Mais tarde, mostrei a ele a tal da música do Bolinha. Se esse grupo era bom ou não, ainda não cheguei à conclusão. Só sei que fazem parte de minha memória, pura e simplesmente. 



Ah, e 1991/92 era a época de “Black and White”, do Michael Jackson, do álbum Dangerous. Daquele videoclipe ultramoderno para a época (imagine só, passava no programa da Xuxa!). Eu, uma criança de 7, 8 anos, simplesmente pirava. A molecada pirava. As mães piravam com seus filhos pirados. Eu tinha uma amiguinha vizinha que colocava o disco para a rua inteira ouvir todo o santo dia. Odiava o barulho ensurdecedor, mas amava a música e sabia o disco de cor. As mães também piravam com as filhas que piravam na Madonna na época do Erotica. Como não havia a atual onda do politicamente correto, me lembro de quando ela veio fazer shows aqui no Brasil pela primeira vez. Foi aquele escândalo, mas todos os programas de TV passavam trechos de sua apresentação o dia todo (acho que até no programa da Xuxa). Naquela época, meninas da minha idade queriam porque queriam aquele bustiê preto pontudo da Madonna. As mães piravam. A minha não. Se isso tudo acontecesse hoje em dia, acho que a Madonna seria processada, deportada do Brasil etc. Só acho.

Depois dessa fase, não me recordo muito do que fazia a minha cabeça, pois, em seguida, vieram tempos um tanto sombrios, em que me vi forçada a crescer antes do tempo. Me mudei daquele bairro e fui morar com os meus avós. A inocência estava se perdendo antes do tempo necessário, mas a magia daquelas imagens e sonoridades da infância ecoa até os dias de hoje.