terça-feira, 22 de janeiro de 2013

"O mundo segundo os brasileiros"


Na última segunda-feira, parei para assistir a um programa chamado "O Mundo Segundo os Brasileiros", na TV Bandeirantes. Já havia parado para assistir a alguns trechos no ano passado, mas nunca conseguia continuar ver tanta baboseira junta. Mas, desta vez, resolvi aturar, até por conta da minha insônia.
Para quem não conhece, o programa fala sobre os brasileiros que vivem em diferentes países mundo afora e mostra o cotidiano daqueles lugares sob a perspectiva desses brasileiros escolhidos para gravarem seus depoimentos. Claro que só foi mostrado, até agora, os de "Primeiro Mundo", exceto a China.

Como muitos sabem, minha pesquisa de mestrado envolve os traços das culturas alemã e brasileira no discurso jornalístico de revistas semanais de grande circulação nos dois países. Portanto, qualquer coisa relacionada ao tema  me interessa demais. O estudo é na perspectiva da linguística, mas não dá para separar da sociologia, da antropologia, dos estudos culturais (essa vertente é quase inexistente por aqui, e é de origem anglo-saxônica, de autores como Stuart Hall e Raymond Williams) e da comunicação. Enfim, é uma miscelânea bem interessante que dá resultados.

Voltando ao programa, o que deixa enfurecida é o recorte feito nele. Explico. 

A primeira vez que vi esse programa foi justamente o episódio dos brasileiros em Berlim. A edição mostrou diversos jovens que trabalham com design, arquitetura, publicidade ou intercambistas notadamente cheios da grana dos pais. Acho que uma ou duas pessoas trabalhavam como garçonete e, claro, uma menina morava com seu namorado alemão. Pode até ser birra minha, mas, brasileiro (ou qualquer outro imigrante não europeu) que trabalha somente em sua área de estudo é uma bela mentira. Além disso, o programa sempre mostra a brasileira que pegou o gringo otário ou a brasileira que casou com um brasileiro que tem a cidadania daquele país. Ou seja, tudo pela ótica da esperteza, da malandragem. Assim como no episódio que assisti na segunda-feira, sobre Madri, na Espanha. Todos os personagens eram bem-sucedidos, trabalham naquilo que amam (dança flamenca, contabilidade, moda, artes plásticas, jornalismo) e são muito felizes por lá. Ah, e é claro, não querem voltar ao Brasil, mesmo com o bicho pegando na zona do euro - ainda mais na Espanha! 
O que me dava urticárias era o suposto "sotaque" dessa gente. Não sou especialista em fonética/fonologia, mas quem é que adquire o sotaque da língua local após um ano ou, até mesmo, quatro anos de morada no país? Ainda mais em Madri, um lugar que tem tanto brasileiro quanto o próprio Brasil! Por experiência própria, é supernormal adquirir algumas palavras da língua local, caso você lide com ela o bastante. É até divertido. Na Alemanha, é comum falarmos "te encontro na U-Bahn X", "vou fazer uma Ausbildung", "pegar um Tram ou uma S-Bahn", entre outras coisinhas. Agora, falar com a melodia da língua local sem ter a fluência dela, é ridículo. E foi isso o que vi nos programas sobre Berlim e Madri. No programa de Berlim, eu dei gargalhadas com uma garota intercambista (detalhe, o papai pagava todas as despesas) que estava lá só há uns 6 meses tentando falar com a tonalidade da língua alemã, que não tem nada a ver com a sonoridade do português! E no programa de Madri? Aí eu queria cortar os meus pulsos! A mulher falava as palavras com a acentuação espanhola, como se fosse uma. E teve uma vez também que vi rapidamente um episódio de uma brasileira em Taiwan que arranhava um inglês macarrônico com um cantonês mais tosco ainda (e falando, claro, um português com o sotaque cantonês). Agora, fazendo o que em Taiwan, eu não sei. O que se faz em Taiwan se você não é correspondente internacional, diplomata ou funcionário de empresa aérea? Boa pergunta. Enfim, se essas pessoas vivessem isoladas na Sibéria, somente com os nativos, eu até entenderia, mas, na Espanha?! Lugar que tem mais brasileiro por metro quadrado além de Portugal? A quem quer enganar, cara pálida?
E a cada depoimento, o discurso do "sou malandro, peguei um gringo" era evidente. O discurso provinciano, colonizado, de que absolutamente TUDO de lá é fabuloso e que o Brasil é uma droga, "mas tenho saudade dele e da minha família". Ah, tá.

Outra coisa que vi nos dois programas e que já vi na minha temporada na Alemanha é o nível de escrotice que esse brasileiro médio tem em seu comportamento no exterior, quando ele comenta a respeito dos bairros dessas cidades e de seus moradores. Em Berlim, só se falava em Prenzlauer Berg, como se essa fosse a única faceta da cidade. Prenzlauer Berg é como a Vila Madalena de São Paulo, repleta de bares e restaurantes "cool" e cara para morar. E todos os brasileiros do episódio moravam em Prenzlauer Berg. Aham. A mesma coisa em Madri. O pior foi um "artista plástico" dizer que preferia morar no bairro X e pagar caro por ele porque lá tem "mais cara de Europa, tem mais espanhóis mesmo, melhor do que morar onde morei até um tempo atrás, que só tem equatorianos, peruanos, africanos, colombianos..." Fala mais carregada de preconceito, impossível. Muito provavelmente ele deve ter "pegado" um espanhol que o banca com suas compras na Dior, como foi mostrado. A pessoa em questão mal sabia falar espanhol – e olha que o meu espanhol é praticamente nulo –, mas carregava no sotaque só para mostrar que "estava integrada". Claro. O pior, ainda, é educar os filhos de acordo com os costumes locais, esquecendo-se totalmente da sua língua e de sua cultura. E foi o que vi nesse programa também. Mulheres que ensinam seus filhos a falarem espanhol em detrimento do português. Seria medo de perder o marido e a cidadania conquistada com o casamento?



O pior de tudo é esquecer de onde vem. Por mais tempo que se passe naquele país, você nunca será um deles, mesmo se casando e tendo filhos por lá. Mesmo que tente apagar sua identidade. Aliás, a identidade é algo que não temos muito forte. Durante minha temporada fora, percebi claramente que não temos claramente uma "identidade brasileira", a não ser por meio do futebol e do Carnaval. A identidade é que une um país, um povo; coisa que não temos por aqui. E o problema é renegar o local de onde vem e integrar-se à cultura local como um nativo - outra coisa que percebi demais quando estive fora.

Diante dessas aberrações que vi e das constatações a que cheguei, esse "programa de entretenimento" só me fez aguçar ainda mais a veia pesquisadora. E, com certeza, em breve, farei algum estudo relacionado a isso. E não perdendo a "identidade brasileira". Contudo, o que me entristece é que esse tipo de visão está sendo e será perpetuado por aqui, já que a nossa mídia é puramente colonizada, com a síndrome de vira-lata.