domingo, 17 de novembro de 2013

Período de ausência

A quem lê este blog (e a mim mesma),

Estou há cinco meses sem escrever nada por aqui. Não, eu não abandonei o meu blog. Ainda tenho muito o que fustigar. É que passei por uns momentos bem agitados e difíceis, e, agora, estou me dedicando à redação final de minha dissertação. Não fique chateado. Espero que, a partir do começo de fevereiro, eu volte à "normalidade". Afinal, o que é "normalidade"? Isso daria uma boa postagem, hein!

Saudações fustigantes.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A estante do outro lado

Por volta dos meus oito anos, na antiga segunda série, eu fui, pela primeira vez, à biblioteca da escola onde estudava. Uma vez por semana, tínhamos a aula na "sala de leitura", a qual era conduzida pelo professor Luis (sim, um homem, fato raríssimo na educação de nível primário). Até hoje não me esqueço do estilo meio missionário, meio padre, de uma mansidão, de uma paciência e uma tranquilidade na voz, características das quais é impossível esquecer – até porque tais atributos não vi em mais ninguém até hoje.
Aquele fato não teria sido nada demais se o professor Luis não fosse um daqueles mestres que sacam qual é a de seu pupilo desde cedo. Não sei como, a cada aula, ele me recomendava alguma leitura além das que éramos incumbidos a fazer a cada semana – aqueles livros adequados à nossa idade naquela época, como os da Ana Maria Machado, Eva Furnari, Pedro Bandeira, entre outros. Não me recordo exatamente o que ele me dava para ler, só sei que eu o fazia vorazmente. E ficava de olho em uma estante do outro lado da biblioteca: a estante com as obras da Coleção Vagalume e os clássicos da literatura brasileira e portuguesa. Eu não via a hora de ter a idade "adequada" para pegar um daqueles livros que  me chamavam tanta atenção. E o sábio professor Luis sabia dessa minha curiosidade.
Um dia, peguei coragem e fui fuçar naquela estante. Um título me chamou a atenção: "Morte e vida severina". Ao pegar naquele livro, logo fui pensando que se referia a uma mulher chamada Severina. O professor Luis se aproximou, pegou o livro das minhas mãos e disse: "Você ainda não pode tomá-lo emprestado, mas pode dar uma olhada." Em seguida, com seu rosto bondoso, me disse: "Ainda terá muito tempo para ler tudo isso aqui. Vai gostar."
Ao folhear aquelas páginas, o primeiro verso da obra me chamou tanto a atenção que, até hoje, não me esqueço: "Meu nome é Severino. Não tenho outro de pia" Óbvio que não entendi o que aquilo queria dizer, só sei que me marcou. Eu li a obra muito tempo depois, na época do vestibular, porém sem aquele brilho e entusiasmo dos meus oito anos. Mas reconheço o valor dessa obra. Não sou fã ardorosa de poesia, mas esse poema é um petardo.

Além de me estimular a querer ler o que tinha na estante do outro lado, o professor Luis sempre me incentivava a pensar sobre o que eu estava fazendo na escola, o que eu via na TV, o relacionamento com os outros colegas, etc. Inclusive, eu tinha uma rixa com um menino que era um daqueles inteligentes e exibidos. Tínhamos uma disputa acirrada e declarada. Eu, competitiva que sou, sempre chegava com alguma coisa a mais nas aulas, a fim de acabar com o moleque – que detestava, diga-se de passagem. A competitividade é intrínseca a mim, fazer o quê! Voltando ao estímulo ao pensamento, eu sou muito grata à postura que o professor Luis tinha comigo (claro que com os outros ele era ótimo também). Acho que ele, talvez, lá atrás, havia percebido que eu iria me enveredar nesse mundo das letras. E nunca me esqueço daquela estante do outro lado da sala de leitura, que me instigava a descobrir um mundo até então desconhecido. Posso não ser aficionada por literatura atualmente, mas aquela época foi essencial à minha formação.

domingo, 26 de maio de 2013

Status: ocupada

Uma das coisas que mais me irrita nas pessoas ultimamente, e principalmente, na mulherada, é "a correria". Amigos, colegas, ex-colegas, inimigos, sem exceção, estão sofrendo do mal da atualidade: a "falta de tempo". Não poupo ninguém, sinto muito. E o atestado disso é a tal "timeline" do Facebook. Gente falando da falta de tempo como se fosse a coisa mais sensacional do universo, que estar ocupado, com todos os horários preenchidos na agenda, é uma obrigação. Que é legal ficar 10, 12 horas num trabalho (e posta nas redes sociais) e, depois, desse trabalho, ir para uma academia gastar todas as calorias adquiridas depois de metade de um dia inteiro sentado em frente a um computador; ou ir para uma faculdade ou curso livre para tentar aquela promoção ou ganhar uns R$ 100 a mais no final do mês; ou se empanturrar com alguma gordice que vai direto para a "pochete"; ou deixar de encontrar um velho amigo porque ficou até mais tarde ou tem trabalho extra para fazer em casa, mesmo nos finais de semana; ou deixar de ver aquele filme que estreou porque está sem tempo; ou deixar de ler aquele livro ou assistir àquele seriado na TV paga porque está muito cansado; ou deixou de brincar com o filho ou com o sobrinho porque ele não aguentou a espera. Cansou só de ler todas essas situações? Então, eu me cansei de ler e ouvir todas essas chatices.

Por que toda essa urgência em ocupar as 24 horas do dia? E por que expor toda essa "ocupação"? Hoje em dia, "estar ocupado", "viver na correria"  virou sinônimo de status e de bem-querença. E quem tem "um tempinho" para fazer o mínimo daquilo que se tem prazer, é considerado desocupado, coitado, até mesmo frustrado. Frustrado? Faça-me o favor! É um frustrado aquele que tem tempo para "não fazer nada", ir ao cinema, à livraria, ao médico? É, o conceito de viver está reverso. Sei que isso pode soar como indireta a alguém que conheço, mas é bem por aí mesmo: na verdade, é uma "direta", para que você reflita sobre o que está fazendo com tua vida. Se estar na correria é bárbaro, saiba que você está perdendo tempo. Contraditório, não?

Engraçado como a vida corrida nos é empurrada goela abaixo pela mídia e pela publicidade, pelo cotidiano influenciado por essas duas esferas – de como é "cool" não ter tempo para nada –, o qual nos faz buscar alternativas a tudo, para "economizar" tempo: do micro-ondas e da máquina de lavar, passando pelo WhatsApp da vida até algo mais absurdo que está por vir em breve. Pois fazer a própria refeição demora, pegar num telefone e ligar para um amigo, um parente ou marcar uma consulta com dentista é um porre, almoçar decentemente está fora de cogitação, etc. Demora para fazer o quê? Ir para as redes sociais e postar que foi almoçar (15 minutos) num restaurante X, que está no trânsito, tudo via Foursquare, que está rolando uma reunião ou uma festinha "da firma", ou que foi ao banheiro? Pelo que vejo nas tais redes, é bem por aí mesmo. Depois reclama que não tem tempo para fazer o trabalho, a monografia, o TCC, o inferno!

Particularmente, se eu gostasse desse tipo de status, eu também encheria a timeline das pessoas com coisas do tipo: "acordei megacedo para ir a uma palestra na USP e participar de uma reunião com minha orientador", "nossa, preciso escrever minha dissertação", "essa correria da dissertação... ai, ainda preciso me inscrever para aquele congresso", "amigos, me desculpem, mas estou ocupada com minha pesquisa", "estou correndo para o aeroporto - universidade X que me espere, uhu!". Sacal. Claro que tenho esses afazeres e muitos outros, mas bom senso é tudo nessa vida – real ou virtual. Mesmo que eu esteja na fase da reta final de minha pesquisa, eu nunca vou deixar de fazer o que preciso ou o que gosto por "falta de tempo": abandonar família, entrar em contato com amigos, ir ao cinema... Não sou desse tipo de mulher "moderna e independente". Independente? Pelo contrário, a tal "mulher-alfa-moderna-independente-masculinizada-que é foda em tudo" é extremamente dependente justamente das facilidades da modernidade e quer sempre se exibir ao dizer que está ocupada, "coitada". Ah, vá, isso foi uma escolha. Problema teu. Uma relação mutualística meio maluca essa entre modernidade e dependência. Falo da mulher, pois, o que mais vejo são as exaltações e alusões à "correria".

Então, minha amiga, inimiga, colega, não aguento mais ouvir esse papinho. Vá viver tua vida como ela merece ser vivida (daí o tipo de merecimento depende do ponto de vista).  

domingo, 28 de abril de 2013

Kamikazes


Somos preparados para morrer. Se não caímos numa imensidão de corrente sanguínea, somos barrados por uma espécie de capuz de borracha, ou – o que é pior – somos bloqueados por um escudo gigantesco o qual, ao trombarmos nele, a morte é certa.
Ultimamente ouvimos muito a respeito de um tal de Tâmisa. Certa vez, os mais velhos e já falecidos me disseram que esse era um nome de um rio. Mas o tal do Tâmisa que conhecemos por aqui  há algum tempo é o que forma o escudo de hormônios gigantesco que impede nossa entrada no óvulo da parceira do nosso hospedeiro. O que faz de nosso trabalho extremamente inútil; mas, fazer o quê? Recebemos essa preparação para o suicídio coletivo. 
No entanto,  o que ainda nos alegra é que existem seres humanos que não se utilizam desses métodos para impedir nossa entrada. Alguns utilizam temporariamente, outros, por convicções religiosas, abolem firmemente; o que nos deixa muito contentes, mesmo se morrermos em combate, pois, pelo menos, estamos tentando atingir nosso objetivo.
Eu espero que a minha vez chegue quando a nossa receptora parar de incluir esse Tâmisa na nossa rotina de trabalho. Se não chegar até lá, morro feliz por ter caído na imensidão da corrente sanguínea e ter tentado cumprir o meu papel.


*Ao vasculhar algumas coisas da minha estante, me deparei com a pasta do curso de escrita criativa que fiz em 2011 (parece que fiz na semana passada, tamanha a velocidade do tempo) e encontrei alguns exercícios bem divertidos, como este. Postarei outros que ficaram bem interessantes (nessa leitura atual).

terça-feira, 19 de março de 2013

Ah, a ciência...


Ah, a ciência... 

Por causa dela estive afastada do meu ritual de exorcismo que é este blog. Antes de qualquer coisa, segue um link que me fez refletir acerca da "gaia ciência" (tomando emprestado o título da obra do Nietzsche). O texto é da megaconhecida neurocientista Dra. Suzana Herculano-Houzel. Vale muito a pena a leitura.

           http://www.posgraduando.com/pos-graduacao/voce-quer-mesmo-ser-cientista


Quando li esse artigo (e já reli algumas outras vezes), confesso que deu vontade de jogar tudo para o alto e "me vender ao sistema". Pois é essa a vontade que dá com quase todo mundo que faz mestrado/doutorado neste país. Vender-se ao sistema para viver com a mínima dignidade. Ou não.

São tantos os percalços pelos quais o pós-graduando passa que ele deveria ser chamado de "guerreiro". Sim, porque quem faz pesquisa no Brasil é um sofredor e guerreiro, pelas conhecidas faltas de recursos, de bolsas, de equipamentos, de bibliotecas razoáveis... É lugar-comum dizer que a sociedade não tem a mínima noção do que ele faz, mas quer que ele retorne todo o investimento que ela dá por meio dos impostos pagos. E somos cobrados pelas universidades em que estudamos para fazer o tal "ROI" (return on investment, utilizando um jargão bem escroto de "business"). 

Ao mesmo tempo que partilho da mesma opinião da professora Suzana — de largar a ciência e ganhar dinheiro bem mais fácil fazendo marketing ou virar rata de mídia social —,ainda permanece aquele sentimento de "estou fazendo algo em prol de", "pelo menos estou pensando por milhares que mal sabem o que é isso". Soa um tanto arrogante, contudo, é bem a real. Hoje, tive esse pensamento durante uma palestra proferida por um grande linguista e professor aposentado lá da faculdade. No meio de sua fala, ele afirmou e reafirmou: "somos nós, pesquisadores, quem pensamos este país. Não adianta. Por mais que governos abandonem a ciência em seus planos, nós estaremos lá, em nossos 'cantinhos', refletindo a nossa sociedade, o nosso país." Espero que isso fique gravado em minha memória para eu não esquecer quando a neurose e o desânimo baterem.

Acredito que o sentimento de boa parte dos pesquisadores (principalmente dos estudantes) como eu é o do paradoxo: ao mesmo tempo que fico questionando a "utilidade" de minha pesquisa —; ouvindo as bancas destruírem teu trabalhos; sofrendo as agruras de quem atualmente vive com a bolsa da Capes; sofrendo "bloqueios criativos" com a minha escrita, achando que o trabalho do colega é sempre melhor que o meu —, por outro lado, a sensação de "relativo poder" e satisfação — quando escrevo algo que é elogiado pela orientadora ou por algum outro professor; quando vou à biblioteca na hora que quero; quando participo de algum evento e daí conheço novos colegas; quando converso com os que já conheço e trocamos sugestões bibliográficas e visões de mundo — é indescritível. Sentimentos contraditórios, porém inseparáveis.

Possivelmente, por causa da ciência e do estresse advindo dela, eu tive minha primeira crise de labirintite. A uma semana do meu exame de qualificação, fiquei completamente "bêbada"; uma semana inteira tendo vertigens que me impossibilitaram de fazer qualquer coisa. Claro que me cuidei e fiquei bem para o exame, mas serviu o alerta.

Conclusão: ainda não sei. Estou em plena fase das dúvidas após o exame de qualificação. Não sei para qual rumo seguir. Se mantenho a mesma teoria, a mesma análise linguística, não sei. "Só sei que nada sei", é o que dizem. A única certeza é a que tenho MUITO trabalho e muitos ajustes a serem feitos.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Rito de passagem?

Hoje à tarde saiu a lista de aprovados do vestibular mais concorrido do País, o da Fuvest, para ingresso na USP e na Santa Casa de SP. Felicidade. Choro de alegria. Caras pintadas nos cursinhos. Na segunda-feira, saiu a lista de aprovados da Unesp. Os mesmos sentimentos.
Na última segunda fiquei muito contente em saber que minha prima está entre os aprovados em Zootecnia num dos campi da universidade. Eu até disse a ela, brincando, que é a segunda neta da nossa avó a entrar na faculdade. Baita orgulho. Ainda mais que esse curso da Unesp é muito bom. Sei disso, pois cheguei a cursar um semestre de Agronomia no campus de Botucatu. E é disso que me recordei nesse dia.

Corta.

Ao mesmo tempo que fiquei muito contente por minha prima, eu fiquei preocupada.

Nesses dias em que são divulgadas as listas dessas universidades, me dá uma aflição tremenda. O que é mostrado é a alegria, as caras pintadas inocentemente e os pulos dos estudantes pelos grandes cursinhos. Principalmente nas propagandas deles. Afinal, é o resultado do trabalho deles, por que não? Entretanto, o que não é mostrado é o day after dessa alegria toda até o dia da matrícula na faculdade.

Ninguém mostra os "nomes" humilhantes a que os estudantes são "batizados". Ninguém mostra a humilhação que os "bixos" sofrem dos "poderosos veteranos", um bando de animais travestidos de estudantes de graduação de USP, Unesp e Unicamp. Mesmo que esse calouro não queira participar dos famigerados trotes, não adianta, ele é obrigado a participar – principalmente se ele vai morar em uma república. As repúblicas, em sua maioria, são qualquer coisa, menos casas ou apartamentos. Ninguém fala da intimidação, da violência física e psicológica, do assédio moral (e também sexual), entre outros. Ninguém fala dos comas alcoólicos que dezenas desses "bixos" são acometidos, porque foram obrigados a beber para agradar os seus veteranos.

As universidades dizem que o trote em suas dependências é proibido e que não podem fazer nada do que rola fora dos campi. Isso é verdade. E isso é caso de polícia. E por que esses atos não são denunciados? Por medo. Por conta do que mencionei antes. A partir do "nome" que você recebe, você é único e todos, mesmo indiretamente, te conhecem. Ai de você denunciar. A represália é certa. As poucas atitudes corajosas que vi quando estive em Botucatu foi a de alguns pais, indignados e amedrontados, denunciar na rádio local e na afiliada da Globo da região. Deu certo? Não me recordo. A mídia faz o alarde por uma semana ou pouco mais, mas depois tudo é esquecido novamente. Até a próxima morte por afogamento, até a próxima overdose, coma alcoólico, queimaduras graves, dentre outras coisas.

A grande burrice que fiz ao me matricular na Unesp foi ter ido para uma república. E das barra-pesadas. Caso de polícia. Tive medo, muito medo naquela época. Diante de tanta humilhação e estresse, fiquei doente - e foi muito pior. Diziam que eu estava com frescura, que era coisa de "bixete nojenta". O meu desespero foi tanto que, por sorte, consegui uma casa para alugar e saí dessa república praticamente fugindo. Claro que ficaram com ódio de mim, tanto que nem podiam ouvir falar o "meu nome". E é claro que eu fiquei com medo por algum tempo, com temor de represálias. Por que a maioria desses "veteranos" perseguem, sim. Livre-arbítrio é algo que não existe quando se é primeiro-anista. Liberdade, pra quê? Afinal, "bixo" não é nada, não tem que gostar de nada, não tem que ter opinião pra nada.
Reza a lenda que há a "libertação dos bixos" em  13 de maio, uma analogia clara à Abolição dos Escravos. Outra mentira. Se a pessoa mora em república, isso perdurará até as férias de final de ano, quando todos, com a maior cara de pau, voltam para suas cidades, suas casinhas, seus papais e mamães.
Essa primeira semana é crucial na vida de qualquer aluno que ingressa nessas universidades. É possível perceber o tipo de curso que terá e, principalmente, com que tipo de gente irá "conviver". Não me arrependo, de forma alguma, de ter abandonado esse curso e ter feito o que realmente gosto. O que mais me revolta é que esse tipo de coisa ainda se perpetua, e com ainda mais crueldade. Eu ficava perplexa com a situação em que muitos colegas meus ficavam, e achavam "legal": – "Ah, mas é uma forma de integração. A gente não sabe nada da cidade e da faculdade e precisamos da ajuda deles, né?" Não. Quantas e quantas vezes saíamos das aulas abarrotados nos poucos carros de nossos colegas de turma, com medo de que fôssemos "sequestrados" para fazermos pedágio para comprar pinga para veterano vagabundo ou para fazer faxina na casa de veteranos estranhos? Me recordo muito bem da vez em que uma colega deu carona para DEZ em seu Uno. Sério. E foi essa mesma colega que me ajudou na minha "fuga" da república. Até hoje não me esqueço disso e sou grata a ela.

E toda essa palhaçada me faz lembrar da tragédia no Rio Grande do Sul. Santa Maria é uma cidade universitária famosíssima, de cursos ótimos e docentes idem. O que isso tem a ver com o tema? Bastante.
Da lista dos alunos mortos no incêndio, a maioria era de que ano? Primeiro. Segundo semestre. E a maioria era de cursos como Agronomia, Medicina Veterinária e Tecnologia de Alimentos. Os dois primeiros são conhecidos por seus requintes de crueldade nos trotes. Quem dirá que esses alunos não foram obrigados a ir naquele lugar nesse dia? Sim, pois até nisso o "bixo" não tem escolha. Ele TEM de ir às festas com os veteranos, sejam elas quais forem. Mas se o "bixo" gosta de metal e os veteranos de sertanejo universitário? Isso não importa, não é mesmo? Quem garante que os meninos e meninas que morreram estavam lá por que gostavam daquela balada? Agora só nos resta lamentar e ficar enlutados.

 Engraçado que esse tipo de "ritual" é um reflexo da sociedade brasileira, tão arcaica, tão troglodita, tão imbecil. É esse tipo de gente que vai "defender as florestas e os animais", "plantar soja", atender à população dos hospitais, dar aula nas universidades... É esse tipo que humilha, que bate, que comete crimes os quais, quase sempre, são deixados de lado.

Por mais que o indivíduo tenha "cabeça boa", o risco de cair nas mãos desses imbecis é grande. Pois tem a questão financeira e, também, de aceitação. Todo mundo quer ser aceito. Contudo, essa não é a melhor forma, para pessoas com o mínimo de normalidade psicológica. É o lado mais selvagem do ser humano que é aflorado nessa relação de poder entre "bixo e veterano". E o poder é bom, dá status, não é verdade? O que me resta é a preocupação com minha prima e com os outros calouros e a aflição por rememorar esse período tão traumático da minha vida.

P.S.: Quero ressaltar que isso não é regra geral. Claro que nem todo mundo participa dessa aberração social chamada "trote". Mas vale o alerta.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

"O mundo segundo os brasileiros"


Na última segunda-feira, parei para assistir a um programa chamado "O Mundo Segundo os Brasileiros", na TV Bandeirantes. Já havia parado para assistir a alguns trechos no ano passado, mas nunca conseguia continuar ver tanta baboseira junta. Mas, desta vez, resolvi aturar, até por conta da minha insônia.
Para quem não conhece, o programa fala sobre os brasileiros que vivem em diferentes países mundo afora e mostra o cotidiano daqueles lugares sob a perspectiva desses brasileiros escolhidos para gravarem seus depoimentos. Claro que só foi mostrado, até agora, os de "Primeiro Mundo", exceto a China.

Como muitos sabem, minha pesquisa de mestrado envolve os traços das culturas alemã e brasileira no discurso jornalístico de revistas semanais de grande circulação nos dois países. Portanto, qualquer coisa relacionada ao tema  me interessa demais. O estudo é na perspectiva da linguística, mas não dá para separar da sociologia, da antropologia, dos estudos culturais (essa vertente é quase inexistente por aqui, e é de origem anglo-saxônica, de autores como Stuart Hall e Raymond Williams) e da comunicação. Enfim, é uma miscelânea bem interessante que dá resultados.

Voltando ao programa, o que deixa enfurecida é o recorte feito nele. Explico. 

A primeira vez que vi esse programa foi justamente o episódio dos brasileiros em Berlim. A edição mostrou diversos jovens que trabalham com design, arquitetura, publicidade ou intercambistas notadamente cheios da grana dos pais. Acho que uma ou duas pessoas trabalhavam como garçonete e, claro, uma menina morava com seu namorado alemão. Pode até ser birra minha, mas, brasileiro (ou qualquer outro imigrante não europeu) que trabalha somente em sua área de estudo é uma bela mentira. Além disso, o programa sempre mostra a brasileira que pegou o gringo otário ou a brasileira que casou com um brasileiro que tem a cidadania daquele país. Ou seja, tudo pela ótica da esperteza, da malandragem. Assim como no episódio que assisti na segunda-feira, sobre Madri, na Espanha. Todos os personagens eram bem-sucedidos, trabalham naquilo que amam (dança flamenca, contabilidade, moda, artes plásticas, jornalismo) e são muito felizes por lá. Ah, e é claro, não querem voltar ao Brasil, mesmo com o bicho pegando na zona do euro - ainda mais na Espanha! 
O que me dava urticárias era o suposto "sotaque" dessa gente. Não sou especialista em fonética/fonologia, mas quem é que adquire o sotaque da língua local após um ano ou, até mesmo, quatro anos de morada no país? Ainda mais em Madri, um lugar que tem tanto brasileiro quanto o próprio Brasil! Por experiência própria, é supernormal adquirir algumas palavras da língua local, caso você lide com ela o bastante. É até divertido. Na Alemanha, é comum falarmos "te encontro na U-Bahn X", "vou fazer uma Ausbildung", "pegar um Tram ou uma S-Bahn", entre outras coisinhas. Agora, falar com a melodia da língua local sem ter a fluência dela, é ridículo. E foi isso o que vi nos programas sobre Berlim e Madri. No programa de Berlim, eu dei gargalhadas com uma garota intercambista (detalhe, o papai pagava todas as despesas) que estava lá só há uns 6 meses tentando falar com a tonalidade da língua alemã, que não tem nada a ver com a sonoridade do português! E no programa de Madri? Aí eu queria cortar os meus pulsos! A mulher falava as palavras com a acentuação espanhola, como se fosse uma. E teve uma vez também que vi rapidamente um episódio de uma brasileira em Taiwan que arranhava um inglês macarrônico com um cantonês mais tosco ainda (e falando, claro, um português com o sotaque cantonês). Agora, fazendo o que em Taiwan, eu não sei. O que se faz em Taiwan se você não é correspondente internacional, diplomata ou funcionário de empresa aérea? Boa pergunta. Enfim, se essas pessoas vivessem isoladas na Sibéria, somente com os nativos, eu até entenderia, mas, na Espanha?! Lugar que tem mais brasileiro por metro quadrado além de Portugal? A quem quer enganar, cara pálida?
E a cada depoimento, o discurso do "sou malandro, peguei um gringo" era evidente. O discurso provinciano, colonizado, de que absolutamente TUDO de lá é fabuloso e que o Brasil é uma droga, "mas tenho saudade dele e da minha família". Ah, tá.

Outra coisa que vi nos dois programas e que já vi na minha temporada na Alemanha é o nível de escrotice que esse brasileiro médio tem em seu comportamento no exterior, quando ele comenta a respeito dos bairros dessas cidades e de seus moradores. Em Berlim, só se falava em Prenzlauer Berg, como se essa fosse a única faceta da cidade. Prenzlauer Berg é como a Vila Madalena de São Paulo, repleta de bares e restaurantes "cool" e cara para morar. E todos os brasileiros do episódio moravam em Prenzlauer Berg. Aham. A mesma coisa em Madri. O pior foi um "artista plástico" dizer que preferia morar no bairro X e pagar caro por ele porque lá tem "mais cara de Europa, tem mais espanhóis mesmo, melhor do que morar onde morei até um tempo atrás, que só tem equatorianos, peruanos, africanos, colombianos..." Fala mais carregada de preconceito, impossível. Muito provavelmente ele deve ter "pegado" um espanhol que o banca com suas compras na Dior, como foi mostrado. A pessoa em questão mal sabia falar espanhol – e olha que o meu espanhol é praticamente nulo –, mas carregava no sotaque só para mostrar que "estava integrada". Claro. O pior, ainda, é educar os filhos de acordo com os costumes locais, esquecendo-se totalmente da sua língua e de sua cultura. E foi o que vi nesse programa também. Mulheres que ensinam seus filhos a falarem espanhol em detrimento do português. Seria medo de perder o marido e a cidadania conquistada com o casamento?



O pior de tudo é esquecer de onde vem. Por mais tempo que se passe naquele país, você nunca será um deles, mesmo se casando e tendo filhos por lá. Mesmo que tente apagar sua identidade. Aliás, a identidade é algo que não temos muito forte. Durante minha temporada fora, percebi claramente que não temos claramente uma "identidade brasileira", a não ser por meio do futebol e do Carnaval. A identidade é que une um país, um povo; coisa que não temos por aqui. E o problema é renegar o local de onde vem e integrar-se à cultura local como um nativo - outra coisa que percebi demais quando estive fora.

Diante dessas aberrações que vi e das constatações a que cheguei, esse "programa de entretenimento" só me fez aguçar ainda mais a veia pesquisadora. E, com certeza, em breve, farei algum estudo relacionado a isso. E não perdendo a "identidade brasileira". Contudo, o que me entristece é que esse tipo de visão está sendo e será perpetuado por aqui, já que a nossa mídia é puramente colonizada, com a síndrome de vira-lata.